Prestes a encerrar sua história no futebol, meia estampa
felicidade no Coritiba e já projeta futuro como treinador

Vinícius Dias

A estátua em frente ao Sukru Saraçoglu, estádio no qual Alex brilhou em Istambul, se agiganta aos olhos dos torcedores do Fenerbahçe, equipe da capital turca. A peça, esculpida em bronze, tem 1,75 metro, bem como o meia brasileiro, mas ostenta a indelével marca de três títulos nacionais em oito anos. Em números, Alex registra 185 gols e 162 assistências em 378 jogos pelo time. "(Olho) para trás e me sinto satisfeito demais com o nível atingido", pontua o craque.

Coritiba: primeira e, também, última casa
(Créditos: Coritiba F.C./Divulgação/Site Oficial)

Os torcedores de Coritiba, Palmeiras e Cruzeiro concordam. E o idolatram. Quando o assunto é seleção, sobram perguntas, faltam respostas. Aos 36 anos, e sem ter disputado uma Copa do Mundo, conquanto fosse um dos meias mais técnicos da época, ele se prepara para deixar os gramados. A quatro meses de encerrar a história no esporte que o alçou à condição de ídolo, Alex esboça o futuro. "Vou parar e me preparar para ser treinador", revela o 10 coxa-branca.

Quase dez mil pessoas o receberam no dia 17 de outubro de 2012, no Couto Pereira. Antes de retornar ao Coritiba, seu primeiro clube profissional, você recusou ofertas de Cruzeiro e Palmeiras, equipes em que é visto como ídolo. Hoje, após dois anos, você acredita ter feito a melhor escolha?

Quando aconteceu a rescisão com o Fenerbahçe, foi uma grande surpresa para mim, que imaginava cumprir bem meu contrato, até maio de 2013, e retornar para Curitiba. Foi uma escolha emocional. Em momento algum, eu parei e fiquei imaginando como seria, o que eu enfrentaria, o que o clube disputaria, como seria minha equipe. Era e continua sendo um sonho infantil: terminar meu ciclo jogando no clube do meu coração.

Colocaram que foi uma escolha familiar. Mentira! Já estava fora da cidade fazia anos, ficar mais um dois anos nada mudaria. Falaram que seria uma escolha política, devido ao (fato de) meu sogro ser conselheiro vitalício do clube e ex-presidente. Outra mentira! Ele não está mais no clube nem deseja voltar. Não me arrependo de nada nessa escolha, até mesmo porque meu sonho infantil está se realizando. E, quando somos crianças, o resultado final é o que menos importa. A alegria está em momentos singelos, e isso tenho tido desde 17 de outubro de 2012.

A sua reestreia nos gramados brasileiros aconteceu em janeiro de 2013, cerca de dez anos depois de ter deixado o Cruzeiro rumo ao Fenerbahçe, da Turquia. Pode-se afirmar que, nesse retorno, você encontrou um novo cenário no futebol nacional? Melhor ou pior do que o da década passada?

Encontrei (um cenário) igual. E isso me assustou. Passaram-se dez anos e parecia que tinham passado dez dias. Mas, tecnicamente falando, a saída cada vez cedo dos jovens do nosso país fez com que diminuísse a qualidade.

Ao fim do Brasileirão de 2014, você terá 37 anos, e encerrará sua história como jogador. Durante 20 anos de carreira, você atuou em seis clubes, de três países. A sensação, hoje, é de dever cumprido? Existe a chance de, logo após a aposentadoria, vermos o Alex como treinador ou comentarista?

Na verdade, atuei em quatro clubes. No Flamengo, foi uma passagem pequena, de dois meses e apenas 12 jogos. Foi ruim para mim e também para o clube. A única situação boa desses dois meses de Flamengo foi conhecer de perto a força da marca e da torcida. Na Itália, fui envolvido em uma situação política do clube e estive (no Parma) por somente três meses.

Nos outros quatro clubes (Coritiba, Palmeiras, Cruzeiro e Fenerbahçe), não. Estive, envolvi-me com os clubes, com suas histórias, atingi bons números, identifiquei-me com o clube e o torcedor, fui campeão. Isso tudo faz com que eu olhe para trás e me sinta satisfeito demais com o nível atingido. Vou parar e me preparar para ser treinador. Ter sido jogador de futebol de bom nível não me credencia a nada. Tenho que começar do zero, independente do que opte por fazer.

Para 2013, o presidente do Cruzeiro, Gilvan de Pinho, enfrentou a resistência da torcida e anunciou Marcelo Oliveira como técnico do clube. A rejeição cresceu, a seguir, quando o camisa 10 Montillo foi negociado. Sem fugir do orçamento, a Raposa fez várias apostas e terminou o ano com o tri brasileiro. O Cruzeiro é um exemplo a ser seguido? Ou um caso de rara felicidade?

Acredito que a rejeição ao Marcelo tenha sido muito mais pelo passado dele, como jogador do Atlético (nas décadas de 1970 e 1980), do que propriamente pelo trabalho dele como treinador. Ele vinha de boas campanhas com o Coritiba (no clube alviverde, foi vice-campeão da Copa do Brasil em 2011 e 2012), mas seu passado atleticano trazia essa rejeição inicial.

O Cruzeiro sempre foi exemplo de administração. Desde que comecei a entender as coisas do futebol, o clube é colocado como referência. Esse time atual, que foi campeão (brasileiro) no ano passado e é o favorito nesse ano, é fruto dessa organização de sempre, mais bons jovens contratados, que vivem ótimos momentos. Sendo assim, a pitada de sorte necessária acompanha.

Desde o ano passado, o Bom Senso FC tem sido um importante agente no contexto da rediscussão do futebol no país. No entanto, você e o Rogério Ceni, dois dos principais símbolos do movimento, vão deixar o futebol ao final desta temporada. Paulo André, outro expoente, está na China. Como essa nova configuração impactará a pauta do grupo?

O grupo veio para ficar. Levantaremos a bola para discutir vários assuntos. Somos e estamos totalmente envolvidos com o produto futebol. A necessidade de o jogador de futebol se juntar e falar chegou até atrasada. Mas o mais importante é que chegou. Sempre discutimos isso: como ficará quando não formos mais jogadores de futebol? Queremos e conseguimos montar uma engrenagem para a coisa correr por conta, e novos jogadores surgirão e se colocarão também. Acredito que o Bom Senso FC tenha ocupado um bom espaço.

Foram cerca de sete anos de preparativos. No gramado, a seleção brasileira decepcionou - culminando na goleada, por 7 a 1, para a Alemanha. Mas, fora dele, a avaliação é de que o país surpreendeu positivamente. Você concorda? Em sua visão, qual foi o real legado da Copa de 2014?

Em campo, não fomos bem. Nosso time não se achou e todos vimos como acabou. Muito se fala da Copa em cima dos jogos assistidos por nós e jogado pelos grandes jogadores que aqui estiveram. Não vejo surpresa nenhuma nisso. Os jogadores que vieram mostraram suas qualidades e nos brindaram com grandes jogos. Os turistas que vieram ao Brasil foram super bem recepcionados pelo nosso posso, que fez dos locais destinados aos eventos da Copa uma grande festa.

Não vejo surpresa nisso. Nosso povo é, e sempre foi, super receptivo e festeiro. E, dentro de campo, os jogadores mostraram suas condições. Vias de acesso, aeroportos e malha aérea seguem em obras e discussão. Não sobrou nada de legado nesse sentido. O legado que ficou foram os estádios, que ficaram lindos, e a discussão em cima do que podemos e como faremos para a melhora do nosso futebol.

Zico comandou o meio-campo brasileiro na Copa de 1986. Em 1994, a bola da vez era Raí, e Rivaldo foi o camisa 10 em 1998 e 2002. No Brasileirão, hoje, talvez você seja, na essência, o único armador. A queda do futebol brasileiro passa também por um novo conceito de camisa 10, espaço que vem sendo ocupado pelos volantes-meias e meias-atacantes?

Em minha opinião, Zico, Raí e Rivaldo nunca foram meias-armadores, sempre foram meias-atacantes ou meias pontas de lança, como chamavam. Não me sinto meia-armador, nunca me senti. Acredito que o Brasil está deixando de produzir três peças importantes: camisas 5 com leitura (de jogo), 10 e 9. E, nessa leitura tática, tentamos fazer algo como fazem os europeus, sem jogadores com as características para fazê-lo.

Às vezes, vários treinadores jogam atletas para a 'beirada' do campo, e esses não têm a mínima ideia do que fazer por ali. Temos que respeitar nossa escola e copiar o que eles têm de bom. Compactação, proximidade, as linhas, a leitura e o posicionamento. Precisamos usar as características da melhor maneira. Agregar situações é sempre bom, mas forçar algo que os jogadores não sabem fazer, na minha opinião, não serve.

Nesses últimos anos, as falhas no processo de formação de atletas têm sido apontadas como uma das explicações para o insucesso do futebol nacional. Como você vê o trabalho realizado nas categorias de base do país, sobretudo, a partir das relações da tríade atletas, empresários e clubes?

Essa é uma ótima discussão. Acredito que (o processo) tenha várias falhas, mas apontá-las seria generalizar, e não gosto de fazer isso. Mas é óbvio e muito claro que temos que discutir muito a nossa legislação. A 'Lei Pelé' ofereceu liberdade para alguns, mas deu um sistema de amarras para os clubes e, até mesmo, para os meninos. Mas, falando em base, eu acredito que temos que respeitar a escola de cada clube.

A base do Cruzeiro respeitar o que cruzeirense gosta, para que, quando o menino chegar à equipe profissional, ele saiba o que representa e como ele deve usar e se comportar com aquela camisa. O mesmo para Palmeiras, Coritiba, Flamengo e outros. Porque cada um tem sua história e suas características, que têm que ser preservadas, respeitadas e, principalmente, ter continuidade. Sendo assim, a base dará bons frutos, como sempre foi em qualquer clube.

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