Com dados de 270 mil jogos, pesquisa destaca semelhanças entre
futebol e handebol; sorte tem peso menor no basquete e no vôlei

Vinícius Dias

A bola não entra por acaso. Foi este o título dado pelo espanhol Ferran Soriano, ex-vice presidente financeiro do Barcelona, a seu livro sobre gestão. Mas, nos gramados e nas quadras, até que ponto a habilidade sobrepõe à sorte? Estudo realizado por um grupo de pesquisadores do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ajuda a responder essa pergunta. A análise de 270.713 jogos referentes a 1.503 temporadas, de 84 países e quatro esportes, deu origem ao artigo Luck is hard to beat: the difficulty of sports prediction.


"O papel da sorte e da habilidade varia de esporte para esporte. Enquanto no futebol é necessário que uma equipe tenha um nível de habilidade muito maior ou menor para se destacar, no basquete, como há muitos eventos de pontuação, o papel da sorte na definição dos resultados é menor. Observamos que, nas ligas de futebol, a grande maioria das equipes tem habilidades similares, ou seja, se removermos de uma a três, qualquer outra poderia ser campeã ou rebaixada. No basquete, o nível varia bastante", destaca Pedro Olmo, um dos autores, ao Blog Toque Di Letra.

Pesquisa analisou de futebol a vôlei
(Créditos: Bruno Cantini/Flickr/Atlético-MG)

O trabalho, que teve início em 2015, foi realizado em conjunto com os pesquisadores Raquel Aoki e Renato Assunção. Embora o grupo evite uma resposta definitiva, os dados sinalizam que a maior ou menor aleatoriedade de uma competição está ligada a dois fatores. "Nossa conjectura é de que são o nível de profissionalismo e dinheiro envolvidos, além da quantidade de eventos de pontuação. Imaginemos que fosse instituído que um escanteio no futebol valesse meio gol, por exemplo: o papel da habilidade na tabela final do campeonato seria maior", argumenta o professor.

Uso de coeficiente de habilidade

A influência nos resultados foi medida a partir de um coeficiente com variação entre o infinito negativo e 1. "Quando é próximo de 1, praticamente toda a classificação pode ser explicada pela diferença de habilidade. Próximo de 0 indica que as habilidades são muito similares, e a liga é praticamente definida pela sorte. Coeficiente negativo e significativamente diferente de 0 ocorreu apenas em Gana e Argélia, em 2015. A pontuação é mais homogênea do que se decidisse jogando uma moeda", explica. Na Argélia, por exemplo, os 16 clubes tinham chance de título a quatro rodadas do fim.

(Créditos: Acervo da Pesquisa/DCC/UFMG)

Na comparação entre esportes, o vôlei se assemelha ao basquete. Já o handebol tem relação com o futebol, com a sorte sendo fundamental. "É curioso que no handebol há muitos eventos de pontuação. Nossa conjectura é de que, por ser menos popular e ter menos recursos financeiros, há menor disparidade entre as equipes", pontua Pedro, assinalando a importância do tema. "Ligas esportivas alimentam um negócio bilionário, que inclui televisão, propaganda, mercado de apostas. A melhor compreensão da previsibilidade beneficiará o público, os atletas e os empresários".

Da Copa do Brasil ao Brasileirão

No futebol, a principal diferença entre o Campeonato Brasileiro e as ligas europeias é a alternância das equipes que se destacam pela habilidade. Neste ano, foi a vez do Corinthians. "O estudo envolveu apenas campeonatos de 2007 a 2016. No entanto, analisamos o primeiro turno de 2017 e verificamos que somente uma equipe se destacava pela habilidade: o Corinthians. Na mesma época, nossa metodologia apontava que Cruzeiro e Flamengo tinham níveis de habilidades similares e que a sorte poderia definir a Copa do Brasil, o que a decisão nos pênaltis corroborou", ressalta.

Habilidades similares na Copa do Brasil
(Créditos: Cristiane Mattos/Light Press/Cruzeiro)

O cenário da conquista do Timão, que recebeu a taça no último domingo, relembra os dois títulos do Cruzeiro sob o comando de Marcelo Oliveira, em especial o de 2014. "Em 2013, o Cruzeiro também se destacou pela habilidade. Definitivamente, não foi sorte de campeão. O que aconteceu foi que, após o título (na 34ª rodada), o time deixou de ganhar, fazendo com que seus números finais não fossem tão diferentes do desempenho de um ganhador de um campeonato em que a sorte governa os resultados", detalha. Habilidade ou sorte? A partir de agora, a ciência responde.

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